Um Resgate Sonolento
Capítulo II
É claro que ele não falou Maze Runner. Isso foi o que eu escutei com ouvidos encantados. Apesar de eu sempre estar em perigo de morte, ou com desinteria (meu Deus), ver os personagens dos livros mais queridos era sempre uma emoção. Mas parecia que eu precisava correr primeiro e pedir self depois.
– Vamos! Tem mais deles vindo, cara!
Eu levantei e respirei fundo. Meu amigo, se eu continuasse a correr nesses picos meus joelhos terão um problema logo logo. Isto se eles não forem comidos.
– Por aqui!
Thomas não me esperou muito não. Seu cabelo escuro refletiu o sol de um modo esquisito. Que pomada ele deveria usar? Acho que preciso avisar que já existem as de tipo seco.
Ao sair daquele salão de café já desmontado de tiros e ataques de crancks, percebi que Fortaleza não era a mesma cidade de a cinco minutos atrás. Na quadra de basquete uns dos crancks mordia a bola, como se ela tivesse feito algum mal pra mãe dele; os outros se empesteavam na cerca de arame, olhando-me sem de fato me verem, como um bicho que não vê nada a não ser a refeição mais saborosa. Agora eu sei o que sente uma zebra protagonista do National Geography.
E não era legal.
O silêncio das máquinas era perturbador. Há uns minutos os carros, as sirenes, o matraquear das máquinas de café e os barulho da serra de carne de um açougue ali do lado ficavam de fundo de quadro para todos que sentavam ali. É só quando esse sons desaparecem que você percebe o quanto nossa civilização é barulhenta. Em outras épocas e situações, eu apreciaria o silencio reinante. Mas não hoje, produção; não hoje.
Ao invés do barulho industrial, o que vinha pelo ar eram os gemidos dos infectados. O gorgolejar deles também era cruel, gerando uma sensação sinistra de dor de barriga constante: experimente ir num daqueles concursos de quem come ou bebe mais, e fiquei ali olhando os candidatos competirem; era desse jeito, caros leitores.
– Thomas, o que está acontecendo?!
Ele me olhou sem intenção de responder. Eu precisava lembrar que esses caras literalmente correram para sobreviver. E provavelmente falar durante a corrida devia atrapalhar. Então, modo boca trancada e chavinha jogada fora (É sério isso?).
Meu coração pulsava nos meus ouvidos. Meu peito estava comprimido, mas eu me forcei a ritmar a respiração. “1,2 – solta”, “1, 2 – solta”. Com isso meu estômago começou a entrar no compasso da minha corrida, e percebi um avanço na velocidade. Um minuto depois já estava em modo cruzeiro. Emparelhei com Thomas, me sentindo um verdadeiro corredor de labirinto. Ele me olhou surpreso? Com certeza não. Porque ele apenas deu um sorriso zombeteiro.
– Agora é pra valer, cara.
E acelerou.
Meu Deus.
Eu era uma fraude. Provavelmente morreria como um figurante.
O bom é que pude me postar atrás dele e pegar o vácuo que seu corpo deixava. Além de conseguir ver bem quais eram as intenções dele: se pular um obstáculo, virar para uma ruazinha ou se ele preferia Adidas ou Nike.
Nenhum dos dois: era Puma.
Desde que deixamos a cafeteria, nós corremos direto pela avenida principal. Havia muitos crancks confusos com nosso progresso, mas sempre procurando nos tatear para tentar ficar com uma coxinha, ou quem sabe com uma batata da perna assada no forno a lenha.
De repente, Thomas deu uma guinada para direita, saindo do movimento principal, mas entrando numa rua que logo se mostrou ser de pedras colocadas, e não asfalto.
– Droga, Minho, olha para onde você manda a gente!
Olha aí, pessoal. O grande velocista Minho. Nos guiando sabe Deus como. Talvez o Thomas estivesse rezando para ele, ou coisa assim. Mas aí percebi, orelha direita de Thomas, um microponto que devia ser uma escuta, e um comunicador. É, o pessoal da nova clareira não deixou de desenvolver seus talentos tecnológicos. Elon Musk teria orgulho deles.
Perdido em meus pensamentos eu corria. Eu corria, perdido em meus pensamentos. Em meus pensamentos, eu corria, perdido. Eu, pensamentos meus, corria, perdido. E etc. Drummond de Andrade, pessoal, na livraria mais próxima. (Pronto. O quê? Por que não me falaram que não terei mais meu cachê de marketing? Isso aí não estava no contrato não!) Mais uma vez Thomas guinou de última hora para a esquerda, e eu quase esbarrei em suas costas. Teria sido um erro enorme, mas acho que não tanto como o que cometemos: entrar numa rua onde era subida, com um muro que a terminava se erguendo impávido, roxo e com cerca de arame farpado em sua extensão.
– Tem certeza que é por aqui, Thomas?!
Ele parecia estar discutindo algo com alguém no comunicador, e não me ouviu. Mas diminuiu a velocidade, e eu pude soltar mais a respiração. Infelizmente eu tenho picos, e um deles estava acabando com paradinha; era bom ele ter um plano que não envolvia acelerar de novo, porque eu não conseguiria.
– Minho, cadê vocês, cara?!
Ele parou a corrida violenta, e começou a trotar em círculos. Eu, naturalmente, desabei. Minhas pernas pareciam de chumbo, e eu me sentia um daqueles russos que poderiam soltar fogo pela boca; a diferença era que não havia álcool e tocha a disposição, mas somente meus pulmões feitos de fogo e ardor.
– Minho, não há tempo, a gente vai ter que arrisc… Não, e não, a gente vai morrer, cara!
Thomas me olhou de canto de olho. Entendi que estavam falando de mim.
– Hey, eu sei… (respira, respira) o que ele deve (respira, respira) estar querendo saber.
Thomas fez beicinho.
– Mas não há tempo, cara, se os crancks nos alcançarem, vamos virar comida!
– O fato de eu… estar de boa no meio… de tanto ar poluído não conta?
Ele virou o corpo inteiro para meu eu no chão.
– Não, o fulgor demora certo tempo para se manifestar.
– Mas se na nova clareira… vocês todos são imunes, porque… precisam (engole, engole) me testar?
– É o que eu falei para eles, amigo, é o que eu estou falando! Mas quando o Minho escuta?
Depois tornou a se virar, enfim parando de andar. Eu estiquei as pernas, sentado, e ofegando como um bode com asma. Thomas respirava pesado, mas com compostura. Perto dele eu era como um quero-quero manco ao lado de um beija flor.
– Minho, acorda, somos imunes! Testamos no helicóptero!
Q helicóptero?
Ah, esse helicóptero.
O barulho o denunciou primeiro que a vista. As pás ressoavam no silêncio, e eu no começo pensei que estávamos perto de uma fábrica de refrigeradores, até ver que de trás do muro roxo, surgiu o nosso veículo.
– Massa (respira, respira) demais.
O grande falcão parou por cima de nossas cabeças, e acreditem, leitores: dele desceu uma dessas escadinhas de filme! Era hoje que eu ia fazer um cosplay de Missão Impossível 6: Fallout.
Eu fiquei surpreso quando começamos a subir de boa, sem ter milhões de crancks nos nossos tornozelos. Enfim um roteiro onde o herói não escapa por pouco!
Quando cheguei na cabine, estavam lá algumas caras amistosas e outras criteriosas. Minho era um deles. Seus braços musculosos estavam à mostra devido a uma camisa regata rasgada. Seus olhos já apertados por ser asiático estavam flexionados, como sua testa, com uma aparente desconfiança.
– Prendam ele no outro canto.
– Minho, não há necessidade.
– Thomas, o chefe de segurança nomeado por você mesmo sou eu. Não vou arriscar, cara.
Thomas me olhou com os ombros caídos.
– Tudo bem, gente, eu vou pra lá.
Me passaram uma algema e eu apertei uma em meu pulso e outra numa barra de ferro que havia na lateral do helicóptero.
– Pronto?
Minho ainda me olhou com a testa franzida, mas havia um ar mais aliviado em seus olhos.
– Bem-vindo a bordo, cara.
Esse com certeza era Gabby. O tamanho era esclarecedor, somada a cara incrivelmente infantil. Mas eu não ia dizer isso para ele, né?
– Obrigado, pessoal. E agora, qual é o problema da vez?
Eles me olharam como se o problema fosse eu.
Não reconheci o piloto, mas ele vestia um jaquetão de couro, com uma pegada bem dark. Haveria tempo para apresentações depois, eu acho.
E na minha frente, uma garota de mais ou menos minha idade estava de pernas cruzadas, me olhando com curiosidade. Seus brações estavam cruzados sobre as pernas, e o cadarço do coturno balançava no ritmo de sua perna. O cabelo longo e castanho, e olhar duro, sofrido, e, sobretudo, a proximidade psicológica que ela ficou com Thomas ao seu lado me mostraram o que eu devia esperar dela.
– Brenda.
Thomas me olhou com espanto, ao mesmo tempo que todos do helicóptero perderam a compostura.
– Como você sabe nossos nomes?
Gabby já flexionou os bíceps.
– Talvez ele tenha escapado do laboratório do CRUEL. Ele pode ser um espião do Janson!
Thomas colocou a mão no peito dele, contendo-o. Ainda bem.
– O homem-rato morreu. Eu vi e você também. Mas a pergunta da Brenda continua a valer: como você nos conhece?
Eu fiquei tentado a contar que li suas histórias; mas eu, já nessa época, tinha ciência suficiente que contar isso apenas os deixava confusos. Vocês tinham que ver o Day do Legend: cara, ele bugou enormemente quando eu dei a notícia.
– Pessoal, a explicação é um pouco louca demais. Por favor, eu sei que não tenho moral nenhuma, mas vocês precisam deixar isso de lado. Vamos focar no que está acontecendo e como eu entro nessa história, pode ser?
Eles não pareceram botar muita fé não.
Vocês topariam um cara aleatório aparecer na sua vida conhecendo sua história e tendo um monte de espinhas na testa, mesmo com quase 25? Então, essa era a situação.
– Vamos, eu pos…
Uma agulha entrou no meu músculo. Fiquei intrigado, mas aí olhei pelas minhas contas e vi o piloto sorrindo.
– Eeeiiii… isso tem piloto automático? Massaaa….
O sono me dominou, e a última coisa que vi foi os quatro papeando como se não houvesse um Tiago desmaiando na frente deles.