Viagem a Dois

Capítulo I

Não tão nova quanto ele gostaria, não tão antiga que inspirasse respeito. A cítara que herdou de sua família, sendo quase o último dos irmãos, estava ligeiramente desgastada nas pontas, apesar do som estar bem equilibrado. As cordas tinham sido trocadas por seu pai quando resolveu oficialmente passar o comando da aldeia ao primogênito, aceitando, conforme o costume, o título de maestro da vila de Pontepoti. Diferente de todas as civilizações que alguém já tenha visto, a pequena cidade de Dastan era governada por músicos, os senhores das canções. Isto porque descendiam dos grandes que apagaram o quente incêndio do Carvalho Tonitruan, o mais velho dos vegetais de Fontanein Blanc; afinal, no velho Carvalho estava desenhada toda a história dos primeiros homens, e valia a pena conservá-lo. Porém, antagonizados pelo rosto ardente de cicatrizes, os antepassados fundadores foram obrigados a construir sua pequena vila a leste das montanhas, entre as colinas. E não havia nenhum político entre os heróis, como de costume; mas músicos e poetas sim, como sempre. Decidiram então que o melhor a tocar música seria o regulador, dando o tom da vida na vila. De lá para cá, uma vez a cada seis primaveras, o maestro, último a ocupar a posição do Espala, o primeiro dos cordantes, reunia as aldeias da região de Pontepoti para o concerto decisivo, e aquele que executasse melhor e surpreendesse aos anciãos seria o novo Espala.

Para o encanto da família de Dastan, seu irmão mais velho, herdando os dons de seu pai, conseguiu executar uma façanha dificílima no violão de doze cordas: o movimento da folha dançante ao som da tempestade. O pai, com lágrimas nos olhos, passou ao garoto de vinte anos o título de comandante das notas; na verdade, a família de Dastan já vinha comandando Pontepoti há seis gerações, precedidas primeiro pelo seu tataravô, Popol, o bardo, aquele que tinha oito cordas vocais. Talvez o dom musical fosse, de fato, uma herança genética.

Dastan, nosso protagonista e aventureiro, era um jovem franzino, apesar de ter ombros largos. Mas isso ele herdou do seu avô, como também os joelhos ossudos e o andar truncado, o que lhe valeu o apelido de o manco, mesmo não tendo duas pernas de tamanhos diferentes, como era o caso de seu irmão mais velho, Boemer, que usava enchimento na bota direita. O rosto sem barba vinha de seus primeiros antepassados: os homens que salvaram das chamas o Grande Carvalho tiveram suas faces tostadas e nenhum pelo nasceu mais ali; desde então, o clã de Pontepoti se orgulha do seu rosto limpo como o de um recém-nascido. Ou era o que Dastan contava nas pousadas. “Vocês podem não acreditar”, dizia ele, “mas foi assim”.

Certo dia, ao amanhecer de mais um dia de verão fresco, Dastan resolveu que iria embora. Para onde, não sabia. Tendo apenas de companheiro sua cítara levemente desgastada, como eu disse mais acima; para o quê, Dastan somente sonhava; queria conquistar a glória dada aos que passaram pelos perigos da vida, como os seus respeitáveis antepassados, salvando do perigo da morte alguma civilização tão antiga ou tão providencial como o Grande Carvalho. 

E a água perfumada de Pontepoti, que tonitroava num eterno acorde de dó maior? E as colinas que escalavam as montanhas como as notas mais altas de uma partitura? E sua família, seus amigos, sua casa, sua clave musical perpétua, por onde toda a música escrita tomava sentido e propósito?

Dastan queria escrever sua própria música, compor seus próprios sonetos e minuetos, rodar pelo mundo dos bemóis, sustenidos e bequadros, ajeitando a tonalidade do jeito que apenas os mais bravos já fizeram. Evidentemente, para ele, apenas armado de sua cítara, que convenhamos, era dedilhada bem o bastante para desafiar ao violão das doze cordas de seu irmão quando crescesse, já bastava; o vento seria seu regente e a terra sua folha, onde ele comporia a sinfonia dos bravos heróis.

A despedida foi singela. Seu pai chorou, sua mãe não. Mulher forte, entendia as intenções do filho. Fora amazona quando nova, e seu sonho era um dia tomar a sua leal Andrômeda e cavalgar com ela pelas colinas afora, até o fim do mundo ou a morte, o que viesse primeiro. Mas o destino a trouxe próxima de Pepino, o contente, pai de seus futuros filhos, entre eles Dastan. Amava-o de coração, bem como a toda sua prole, mas o desejo não lhe saía do coração. Quando Dastan anunciou sua ida, enfim, depois de anos, sentiu alívio: parecia que tinha lhe passado o seu anseio, e seu sonho seria cumprido por ele, uma pequena e melhor parte sua. 

– Meu Dastan, acorde de minha música, quinta da minha dominante, sua mãe aprova seu desejo e sua ida.

Dastan sorriu, percebendo o quanto sua mãe era sábia e amorosa. “Tive sorte, afinal”, disse consigo mesmo. 

– Mas acho que você está se precipitando indo sozinho. A estrada não favorece os solitários, apesar de os criar. 

Respirando fundo, sua mãe continuou.

– Talvez seja hora de me despedir de Andrômeda, para que ela e você possam levar meus desejos a cabo.

Havia apenas um inconveniente.

– Mãe, a senhora sabe que não gosto de cavalos. 

De fato, Dastan era um péssimo cavaleiro. Ele dizia que assentos que pulavam não favoreciam os dedos que tocavam. 

– Sem um amigo, te sentirás perdido. Leve-a como uma companheira, e não te separe dela.

O viajante inexperiente pensou na sela amarela-limão da mãe com desconforto. Teimoso, não era hoje que o seria menos.

– Eu encontrarei um companheiro, mãe; Andrômeda sentiria demais sua falta.

A mãe sabia que era verdade; se ela não alimentava sua égua pela manhã, indo um outro alguém, Andrômeda ficava de mal humor.

– Você, meu filho, parte amanhã cedo. Tem um dia para encontrar um parceiro e fazer uma viagem a dois. Se não, receio que não possa permitir sua partida.

O que Dastan tinha de músico também tinha de rebelde. Para escapar dos desígnios da mãe, sairia ainda de madrugada, escondido, levando apenas sua confortável cítara de quatro cordas duplas, com sua capa confortável e quente, sua camisa de mangas verdes e cabelos ruivos bagunçados com a relva verde tocada pelo orvalho do amanhecer.

Mas seus planos não correriam assim tão bem. Acordado por sua engenhoca apelidada de “o horador”, que consistia em uma ampulheta, uma colher e um sistema de pesos e equilíbrio, Dastan calçou as botas no escuro completo, guiando-se pelas balizas que havia montado na tarde anterior. Correu em direção ao estábulo, onde havia deixado sua pequena bagagem, guiado apenas pelo luar. O céu vibrava de nuvens, quase que deixando apenas um pequeno ponto por onde a lua iluminava com sua fina camada prateada as colinas de Pontepoti. Andrômeda o olhava, oferecendo-lhe a bronca que sua mãe lhe daria.

– Adeus, grande corredora das colinas.

Como era de se esperar, Andrômeda nada respondeu. Tudo parecia bem.

Mas a bolsa de Dastan não estava lá. 

Alguém o tinha descoberto, alguém o vigiava. Rápido como um raio, Dastan se abaixou, colocando-se ao chão, apenas procurando ouvir sons do ladrão ou do espertalhão. Provavelmente sua mãe o deixaria de castigo por um bom tempo, enquanto o pai lhe passaria um sermão desgastante sobre sétimas e nonas invertidas, correlacionando ao papel de cada um na família.

Perto dele, começaram a chegar os sons de pano sendo rasgado. Sua comida! Dastan tinha pego algumas carnes em conserva preparadas pela mãe, já que qualquer hospedagem deveria ser longe. Como em protesto, sua barriga roncou. Dastan era o que chamaríamos de bom vivant, isso se a França e o francês existissem, o que ainda não acontecera. Um bom músico sempre tem um bom apetite, dizia o ditado. 

O jovem ruivo esgueirou-se como só ele fazia, depois de ter treinado muitos dias nos pastos em torno das colinas. O objetivo era assustar sua irmã mais velha, que pastoreava os cabritos da família ao norte de Pontepoti. Berta era a melhor amiga de Dastan, além de melhor cozinheira da aldeia. Era uma mistura poderosa que sempre fez o moço orbitar em torno dela.

Era a hora de interromper o malfeitor, acertar-lhe um tapa na testa e sair correndo. Apoiado nos dois joelhos, Dastan levantou-se como uma lebre, saltando em direção aos sons de mastigação que estavam incrivelmente altos naquele silêncio e escuridão toda. 

O pulo foi ótimo, caros leitores. O problema foi que Dastan não esperava encontrar um gnomo no lugar de um ser humano, remexendo em panos que antes tinham sido sua mala e comendo sua deliciosa comida.

Comentários