Uma Mensagem Suspeita

Capítulo IV

“Pouca é a prudência dos rudes”. Era um ditado do pai de Dastan, que lhes repetia constantemente quando queria lhes fazer ver a importância da educação e do respeito.

Mas na floresta as coisas não eram bem assim. Quando o assassino, porque seu olhar era frio como o de uma noite de inverno sem estrelas, avançou em direção ao jovem poeta, as boas maneiras não serviriam para parar seu cutelo afiado. O que ajudou Dastan foi o susto que Porvir provocou no sujeito. O animal se eriçou todo, como aquele pequeno rato espinhudo que vivia nos limites de Pontepotí. Parece que o selvagem respeitava a demonstração de força, e Porvir parecia bem ameaçador com seus dentes, antes escondidos, agora pontiagudamente a mostra. Mas o carniceiro não parou por muito tempo; logo voltou à carga.

Mas o poeta das colinas sabia aproveitar os intervalos. Afinal, é na pausa da música que o instrumentista se ajeita para o próximo solo. Porém, como vencer alguém com uma arma tão grande, com a ressalva de que Dastan mal tinha brigado com seus irmãos mais velhos? Só havia uma resposta possível: enganar o sujeito.

Em poucos segundos, Dastan já tinha se empoleirado em cima de uma macieira. Agradeceu de novo ao Grande Cão pela altura, e voltou a se concentrar no homenzarrão que berrava.

― Já, já, desce! Não vai levar mensagem nenhuma!

Como suspeitava, ele tinha sido mandado para capturar o mensageiro infantil. Dastan pensou um pouco o que queria dizer ter sido confundido com um garoto de uns 7, 8 anos, mas depois do carniceiro ter tentando cortar a árvore com seu cutelo pouco afiado, por sinal, ele aceitou que a culpa da confusão não era por causa do seu tamanho. 

― Você está me confundindo, vilão! Não sou mensageiro de nada, a não ser, talvez, da alegria.

O tipo pouco se preocupou com o que Dastan dissera, e continuou berrando como um tresloucado. 

Como fazer para descer dali em segurança? Os poucos músculos que o garoto possuía não rivalizavam ao do braço do homem; e ele nunca iria jogar sua linda cítara, mesmo que dependesse disso sua tênue mocidade.

“Espera”, pensou o músico. “Jogar…”

Foi quando ele percebeu que havia maçãs. Era primavera, não era? Como não havia pensado nisso antes?

A primeira fruta não fez nenhum estrago. O tipo apenas ficou mais zangado, gritando palavras como: “purê de garoto com molho mostarda”, “o machado está com fome” e ainda “porque existem árvores? Elas não servem pra nada!”. Dastan percebia que seria uma luta fácil se ele caprichasse na pontaria.

E como arremessador de fundas o poeta das colinas era campeão. A cada ano que passou em Pontepotí, mais e mais ele melhorou sua pontaria. Tinha sido conhecido como o mestre do espantalho, pois cravara uma pedrinha em sua testa de palha a metade de um tiro de besta. Porvir não sabia a sorte que tinha em ter um amigo tão bem desenvolvido na arte da pontaria.

A segunda maçã foi parar entre os dentes do açougueiro, que tossiu resvalando para trás quando o impacto forte o deixou com um gosto de maçã. Se ele fosse mais inteligente, teria arremessado logo seu facão, mas era como Dastan gostava de dizer: “O Grande Carvalho escreve certo por linhas tortas”.

As próximas maçãs foram todas com precisão no rosto do caído. Ele mal podia se desvencilhar de uma que outra lhe vinha como que teleguiada. Em pouco tempo, uma multidão de umas 15 maçãs jazia ao lado do carniceiro desnorteado, e cá entre nós, bem mais manso. Um pedaço escuro aparecia entre o sorriso enviesado que aquele homem dava: provavelmente um dente perdido. Dastan comemorou.

― E então, vamos conversar agora, ó ferido das maçãs?

Como resposta soaram apenas uns gemidos inconscientes. Dastan esperou mais um pouco para descer da árvore, a fim de que não caísse em um truque. Afinal, apesar de estarem atrás de uma criança, podia ser que tivessem dois ou três deles escondidos nas moitas secas. 

“É minha deixa, agora”, pensou o jovem.

Por via das dúvidas, Dastan jogou mais uma maçã na testa do sujeito. Poderia ser que desencadeasse uma cadeia de pensamento ali no futuro. “É a melhor forma de ajudar, com certeza”.

Como o carniceiro sequer se mexia, respirando devagar e pesado, como se estivesse em um sono profundo, o poeta baixou da árvore com Porvir. Este desceu do ombro de Dastan e se aventurou a cheirar um pouco o ombro do sujeito. E parece que Porvir não gostou muito do que sentiu: se afastou com o rosto fechado. Antes, porém, foi até a túnica larga que se prendia na cintura com um cinto de couro gasto do assassino. E, mexendo rapidamente suas mãozinhas, pegou do bolso dele um papel pardo, amassado e molhado da corrida do homem, mas definitivamente de um material bom. Quem o dera ao homem com certeza era uma pessoa rica.

A história do papel é curiosa e envolve o Grande Carvalho. Pouco antes do incêndio que o ameaçou queimar, os cidadãos de Fontaine Blanc conduziam retiradas de sua seiva para fazer uma espécie de massa branqueada, da onde tiravam rolos de algo que servia para anotações. Seus instrumentos de escrita ainda eram as boas e velhas plumas, mas embebidas do mosto de cúrcuma que as aldeãs sabiam bem ferver. 

Mas aquela carta parecia mais grossa, amarelada, quase como se fosse couro de animal. Quando Porvir a entregou a Dastan e este a abriu, viu escritas letras que não conseguia decifrar. Mas havia um pequeno desenho na parte final dianteira: um brasão de armas.

Dastan se pôs a pensar: o que o timbre dos cavaleiros adamantinos estaria fazendo numa carta no bolso do assaltante? Havia duas possibilidades, uma mais inquietante que a outra: se o bandido a surrupiara, significava que o portador provavelmente tinha morrido. A outra era clara e tenebrosa: os cavaleiros adamantinos estavam envolvidos em alguma ação criminosa. Qual era o sentido de contratar alguém como o “ferido das maçãs” se tinha à sua disposição armas e treino para usá-las? Só mesmo querendo forçar algo ilegal.

Dastan fechou bem o pergaminho, que se enrolava sobre si mesmo. Chamou Porvir para seu ombro e olhou uma última vez para o homem inconsciente no chão. Ele se recuperaria. E não estava frio a ponto de machucá-lo. As noites de primavera são agradáveis.

Guardado a mensagem em sua cintura, na parte das costas, onde havia um bolso estratégico em sua capa, costurado exatamente para momentos com esses, o poeta das colinas se pôs a passo largo rumo à aldeia atacada. Lá não confiaria em ninguém até descobrir se havia mais traidores dos companheiros aldeãos, e tentaria decifrar a língua, sem pedir ajuda, a não ser que fosse terrivelmente necessário.

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